domingo, 31 de janeiro de 2010

Todos os Dias


FADE IN:

INT. QUARTO DE AUGUSTO - NOITE

AUGUSTO está deitado na cama, seu leito de morte, muito magro, pálido e em sofrimento. Vem definhando progressivamente devido a um cancro.
Na cabeceira da cama está a sua avó CACILDA, afagando-lhe a testa.

CACILDA
Como te disse, o JANELA pregou-lhe duas estaladas – e tu bem sabes como ele é a calma em pessoa – e o rapaz fugiu para nunca mais voltar, parece-me. Devias ter visto o Putzi atrás dele a ladrar.

AUGUSTO sorri penosamente.
Ouve-se o som de dois toques na porta do quarto, onde está MANUELA, cunhada de AUGUSTO, com um sorriso triste

MANUELA
Posso?

AUGUSTO tenta retirar o braço de debaixo dos lençóis, dando-lhe sinal para que entre.

CACILDA
Eu volto mais logo.

CACILDA levanta-se, beija AUGUSTO na testa e sai.

MANUELA aproxima-se da cabeceira da cama. Senta-se na cadeira onde estava CACILDA.

MANUELA
Como estás?

AUGUSTO encolhe um pouco os ombros. Tira finalmente a mão de debaixo dos lençóis. Toca-lhe nos cabelos, pede-lhe que aproxime da sua boca com o ouvido.

MANUELA
Diz.

AUGUSTO
Eu amo-te.

MANUELA sobressalta-se um pouco, afasta-se levemente de AUGUSTO. Já mais calma, como se essas palavras fossem as esperadas, afaga-lhe o cabelo. Tem um misto de ternura, pena e distância no olhar.

MANUELA
Amar é bom, meu querido.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Haiti [2]


Às vezes - e muitas vezes, infelizmente - uma imagem vale mais do que mil palavras. Esta é a capa da acção que a Fundação José Saramago, juntamente com a Leya e um sem número de parceiros (desde o fabricante de papel até aos retalhistas), está a colocar em prática para ajudar o povo do Haiti. Não tenho palavras que a definam.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Outro Ele

No meio da praça há um leão sobre uma águia. Celebra a vitória do meu povo sobre as invasões francesas, o regresso do rei depois de ter perdido, não dois, mas apenas um país. Hei-de ir a Nelas estabelecer outra provincía ultramarina, passamos o Douro e sabemos atravessado o maior dos mares. Há-de haver um fim para novo achamento. E o leão – mais do que a vitória por 7 a 1 do meu Sporting (não é isso que todos querem lembrar?) – representará o sossego de um país com um nome de terra mais que perfeito.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Ele

Dizem chove sempre a norte do cabo Carvoeiro, a neve só nas terras altas. Moro ao nível do mar, e no entanto a espuma é longe demais para molhar os pés no meio do sargaço. Nunca neva nas terras mais baixas. E chove sempre no Norte, onde espalho notícias de um sol ainda mais distante. Tenho quase quarenta anos e nenhuma luz. Não há quem me brilhe ou faça brilhar, visto roupas escuras até no verão. Limito-me a arrefecer os raios na minha pele sempre fria. Aquecer é coisa que deixo para as mulheres modernas que habitam à vez o meu T1. Basta-me viver, se soubesse para onde, aí sim, fugia.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Sextante


A notícia já circulava há algumas semanas nos, ditos, meios editoriais: a Sextante iria fazer parte da Porto Editora, dando esta última o primeiro passo na aquisição de uma outra empresa. Editei com o João Rodrigues o Terra, editei com a Porto Editora os Poemas Portugueses. Com ambos aprendi muito do que é editar bem um livro. Fico feliz quando dois editores meus se juntam: o João e o Manuel Alberto Valente sob a batuta de uma pessoa que aprendi a admirar pelo seu saber e competência: Vasco Teixeira. Esperemos que a Sextante continue o seu caminho de consolidação e que a Porto Editora ganhe com a entrada nos seus quadros de uma pessoa com a experiência no mundo da edição como o João Rodrigues. Para os três - assim como para as duas delegações do Porto com quem já trabalhei (a literária e a escolar) - o meu maior abraço.
[Em cima, a capa de Terra, do Atelier Henrique Cayatte.]

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Haiti


Tenho feito como o Eugénio de Andrade num dos poemas da antologia - lido apenas o Público ao domingo (falta-me o gato). Mas hoje, enquanto tomava o pequeno-almoço, consegui ler o destaque sobre o Haiti. Não sei se entretanto os números se actualizaram, mas falava-se lá de mais de 100 000 mortos. E numa das colunas, os últimos tremores de terra: de dois em dois anos há um que mata não menos de 5 000 pessoas (até números como o daquele que provocou o tsunami, onde faleceram 260 000).
Nada se pode dizer que não pareça já ter sido pensado. A palavra escrita não serve. É gente, filhos, pais, irmãos. Aqueles que ficam - porque os outros já não sofrem.
Ontem, quando ao fim da noite soube da notícia, fui reler a parte referente à ilha de Hispaniola no livro Colapso de Jared Diamond. É um magistral ensaio sobre o não determinismo ambiental, esse. A pergunta é evidente: porque é que o Haiti, na parte oeste da ilha, é tão mais pobre do que a República Dominicana, na parte este? São muitas as razões, todas parecendo concomitantes para um país inviável. Deter-me-ei de as citar aqui, não sabia como resumir tantas páginas de puro génio (uma das minhas dores, entre tantas, é a tradução de "O Terceiro Chimpanzé", insolvente nas Quasi). Mas a verdade é que os haitianos não mereciam. Ninguém merecia. E não me falem de Deus. Ou de deus. Senti repulsa física quando ontem na SICN vi o relato de um missionário dizendo da tragédia: depois de uma introdução certa, de uma passagem pelos cânticos das pessoas correcta, disse que Deus terá desígnios para esta tragédia. Se os tem, eu não os entendo. Mas deve ser meu o problema, só pode.
Colapso, editado na Gradiva e da autoria de Jared Diamond: um livro a todos os níveis admirável.
[Em cima, os moai, que dão capa ao livro e continuam de pé na ilha da Páscoa, depois do seu colapso]

Cá de baixo